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Ivan Martins

Qual o segredo dos relacionamentos que duram a vida toda?

Ivan Martins

15/01/2020 00h01

Toda vez que escrevo, como fiz na semana passada, que certas coisas importantes – como relacionamentos e amizades – também acabam, invariavelmente aparece alguém para me explicar, com enorme boa vontade, que, se acabou, não era amor e nem amizade de verdade.

Acho essa afirmação um absurdo.

Quer dizer que todas as relações amorosas que tiveram começo, meio e fim eram falsas? Tudo aquilo que a gente sentiu e viveu, e que não durou para sempre, não passava de ilusão? Se, passados alguns anos, ou alguns meses, alguém deixou de amar ou deixou de ser amado, então o próprio amor era um engodo? É necessário passar a vida ao lado de alguém para ter certeza de que um afeto foi verdadeiro?

Não. Claro que não.

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Muita gente confunde a natureza e a intensidade dos sentimentos com a sua duração, mas é possível amar de forma devastadora por tempo limitado, assim como se pode ter um carinho morno e tranquilo que dure décadas. Sentimentos exacerbados talvez nem combinem com fraldas descartáveis, idas semanais ao supermercado e almoços de família no fim de semana.

Acho que muita gente confunde a qualidade e o vigor dos sentimentos amorosos com as habilidades necessárias para sustentar um relacionamento de longo prazo.

Há gente muito apaixonada, muito passional, que não consegue se relacionar de forma duradoura. A pessoa ama, intensamente, mas é incapaz de executar o minueto de renúncias e doações que faz com que um relacionamento amoroso sobreviva. Não é uma escolha ou um defeito moral. É um limite, uma impossibilidade emocional ou psíquica. Outras pessoas se adaptam sem dificuldade ao convívio, provavelmente porque são menos inquietas.

Há um traço de temperamento  – a estabilidade – que talvez seja mais importante do que qualquer sentimento para explicar a duração dos relacionamentos. Quem tende à estabilidade emocional não tem problemas em se acomodar aos ritmos afetivos dos namoros e casamentos, enquanto os emocionalmente instáveis sofrem muito para ficar num par. Quando duas personalidades estáveis e tranquilas se encontram, é bem mais fácil.

Como todo mundo, também acho bonitos os casais de 30, 40, 50 anos de convivência. Uma parte de mim morre de inveja do Tarcísio Meira e da Glória Menezes, embora eu não saiba os sacrifícios que eles fizeram para permanecer juntos. Gosto de pensar que são pessoas muito amorosas, com uma grande capacidade de tolerância e um certo receio de se aventurar em terras afetivamente estranhas.

Sei também que essas pessoas têm sorte. Achar um parceiro para a vida inteira, num mundo de sentimentos voláteis como o nosso, é como ganhar na loteria. Muitos desejam essa permanência, mas pouquíssimos conseguem.

É fácil dizer, como dizem os moralistas, que as pessoas se separam porque querem, porque são fracas ou sem vergonha. Mas isso é bobagem. A maioria das pessoas  não deseja se separar. Elas simplesmente não conseguem evitar a separação. Não sabem como seguir juntas. Obviamente um relacionamento de longo curso exige princípios e força de vontade, ou afundará na primeira crise. Mas essa disposição sozinha, essa determinação, não mantém um casal unido. Precisa haver um grude inconsciente, uma conexão subjetiva, uma massa espontânea de afeto que mantenha os dois amantes ligados. Nada disso é fruto somente de decisões racionais. Quem acha que pode sustentar um casamento na base apenas de caráter e propósito pode ser vítima de um grande desapontamento.

Para os nossos avós (para as nossas avós, sobretudo) a estabilidade era parte da vida. Não havia opção de encerrar uma relação ruim e começar de novo com outra pessoa. Separação era tabu, algo proibido, e sofria-se muito com isso. Os relacionamentos duravam, fossem bons ou fossem maus, felizes ou infelizes. Muitos, porém, olhando para o passado com olhos de hoje, acreditam que aquela estabilidade forçada era uma forma mais profunda e persistente de amor. Confundem a jaula de um casamento sem saída com a felicidade de um conto de fadas.

Na minha geração, que já não é a dos estoicos, só convivi com dois casais que estão juntos desde a adolescência. Imaginem isso: fazer 60 anos de idade casado com a pessoa que você ama desde o primeiro ano do colégio, desde os 15 anos! Só de pensar nisso me dá vertigem: como seria a minha vida se ela tivesse sido assim?

Outro dia, o marido de um desses casais, um cara doce que eu conheço desde que temos 13 anos, publicou um texto nas redes sociais explicando as dificuldades e as recompensas de seu longo relacionamento. Eu li buscando alguma coisa útil para o meu próprio relacionamento, mas não achei. O que o meu amigo explica – sua maneira de gostar, apoiar, aguentar – é uma fórmula linda e pessoal, como são todas as maneiras de amar. Ao lê-la, entendi como ele se sente em relação à mulher que ele escolheu (e fiquei muito comovido), mas a receita de longevidade amorosa dele não serve para mim. Provavelmente não serve para mais ninguém, porque não há no mundo outro casal como ele e ela.

Tendo partilhado alguns relacionamentos, e presenciado tantos outros, desconfio que algumas pessoas estão mais ou menos inclinadas, por uma questão de personalidade e vocação, a viver esse amor de vida inteira – desde que tenham a sorte de tropeçar no parceiro ou na parceira certa.

Outros viverão a angústia e o deleite de encontrar e perder, de encerrar e recomeçar, de sofrer e gozar os amores que terminam. Não é desonra e nem vergonha, não é defeito, fraqueza, pecado e nem alguma espécie moderna de virtude. É uma forma de ser e de amar diferente da outra, e que também expressa uma circunstância: a de não ter encontrado, até agora, alguém com quem viver para sempre. Até agora, vejam bem. Amanhã tudo pode mudar.

Sobre o Autor

Ivan Martins é psicanalista, jornalista e autor dos livros “Alguém especial” e “Um amor depois do outro”. Irmão mais novo numa família de mulheres, aprendeu muito cedo a fazer xixi erguendo a tampa da privada, e acha que isso lhe fez bem. Escreve sobre relacionamentos desde 2009, tentando entender o que faz do apaixonamento algo tão central à vida humana.

Sobre o Blog

Esta coluna pretende ser um espaço para discutir os sentimentos, as ideias e as circunstâncias que moldam a vida dos casais – e dos aspirantes a casal - no Brasil do século XXI. Bem-vindas e bem-vindos!

Ivan Martins