Topo

Histórico

Categorias

Ivan Martins

Sonhar com ex quer dizer o que sobre o seu relacionamento atual?

Ivan Martins

11/09/2019 00h01

No quinto ano do seu relacionamento, ela começou a sonhar com o ex. De início era uma coisa meio velada, em que ele se fazia notar pela ausência: ela sonhava que estava em frente à casa onde haviam morado, ou encontrava, na rua, uma amiga dele de quem tivera ciúme. Ele mesmo não aparecia nos sonhos.

Depois, sua imagem começou a se insinuar, devagarinho. Ela sentia a presença dele numa sala, sem o ver. Ou ele aparecia numa foto que, sonhando, ela encontrava no fundo de uma gaveta.

Veja também

Finalmente, numa noite de sono tranquilo, ela sonhou que eles se sentavam debaixo de uma parreira e conversavam com aquela intimidade calma da qual (ela percebeu no sonho!) sentia alguma falta. Ao final da conversa, trocaram um selinho.

Ela contou esses sonhos perturbadores a um ou dois amigos, mas não ao marido. Se sentia traindo cada vez que sonhava com o ex, e acordava envergonhada. Achava que havia algo errado em experimentar, mesmo dormindo, a ternura (e o desejo…) que despontavam no sonho.

Teve medo que houvesse algo errado com seu casamento.

Faz algum tempo que eu ouvi de segunda mão essa história sem final. Nunca soube o que aconteceu com a vida e com o casamento da sonhadora, mas imagino que tenha acontecido nada – ao menos em consequência dos sonhos com o ex.

Sonhar com pessoas que tiveram importância emocional em nossa vida é previsível. Quase inevitável, eu diria.

Você pode decidir, racionalmente, que não quer ver ou saber da pessoa, mas seu inconsciente não tem nada a ver com isso. Para ele, o ex ou a ex continuam lá, intactos e preservados, como se o tempo não tivesse passado. Uma hora, ele ou ela aparece no meio da noite para dar um alô, provavelmente trazendo algo que era importante na relação de vocês, alguma coisa de que você tem saudade ou trauma.

O que há de errado nisso? Nada!

As pessoas que a gente amou deixam pedaços de si na nossa personalidade. Elas literalmente fazem parte do que somos. Às vezes, por ter sido muito traumática, essa presença subjetiva precisa de análise para ser digerida e armazenada de forma aceitável, para ser tranquilamente posta de lado.

O equívoco mais comum dos sonhadores envergonhados – como a moça que abre esta coluna – é imaginar que a imagem erótica ou terna que aparece no sonho corresponde ao ser humano de carne e osso.

Não!

Aquilo com que a gente sonha é um fantasma que ficou do outro, e que provavelmente nada tem a ver com a existência física ou psicológica da pessoa real.

(Eu, por exemplo, sonho com as pessoas como elas eram há 20 ou 30 anos, e com meus filhos, invariavelmente, como crianças, embora eles sejam adultos).

O que fica na gente depois de um relacionamento amoroso não é a pessoa do outro, mas aquilo que a gente escolheu reter dele ou dela – um traço de caráter, um momento especial, uma forma de agir ou de ser que, por qualquer razão, boa ou má, nos causou impressão profunda.

Onde está a traição em sonhar com algo assim inefável? Em lugar nenhum, claro. Não há motivo para se envergonhar.

Posto isso, talvez não seja legal acordar pela manhã e contar alegremente para o parceiro – ou para a parceira – que você teve um sonho erótico ou romântico com a pessoa anterior. Seria uma crueldade. Seres humanos ficam vulneráveis quando estão apaixonados, e uma informação dessas pode plantar minhocas na cabeça do outro, sobretudo se for pessoa insegura ou ciumenta. E quem não é um pouco de uma coisa e de outra?

Alguém poderia perguntar, com toda razão, se a insistência em sonhar com alguém do passado não mostra um amor que pede para ser reconhecido. Ou pelo menos uma crise na relação presente.

Vamos com calma:

Se o sonho deixa no ar um desejo, ou aponta a falta de alguma coisa representada na figura da pessoa anterior, isso não é sintoma de crise. Talvez seja aquilo que o neurologista Sidarta Ribeiro chama de oráculo da noite: o cérebro juntando material para nos dar pistas sobre as nossas necessidades submersas. Os sentimentos disparados pelo sonho podem servir de gatilho para uma conversa franca sobre a vida a dois. O ex, neste caso, é o mensageiro, não a mensagem.

Agora, o outro caso:

Se você acabou de se separar, ou separou faz alguns anos, e não se envolveu de verdade com mais ninguém, faz sentido pensar que os seus sonhos com o ex manifestam sentimentos que ainda estão lá, mais ancorados no passado que os naufrágios na costa de Fernando de Noronha. Mas, se for esse o caso, você nem precisa que um sonho lhe revele a situação, né? Você já sabe. É provável que o ex continue grudado em você como segunda pele, e vai levar tempo para livrar-se desse apego. Boa sorte!

Outra situação, totalmente distinta, é estar feliz numa relação, depois de ter deixado o passado para trás, e perceber sonhando, com alguma surpresa, que mantém conexões afetivas com a pessoa anterior. Ou mesmo com alguém mais distante no tempo.

No caso de um sonho assim, eu voltaria a dormir tranquilo.

Algo lhe teria sido dado durante a noite, na forma de prazer, nostalgia ou ternura, que nada tem a ver com o seu parceiro ou parceira atual, e que tampouco guarda relação com a pessoa real que apareceu no sonho – é coisa sua e dos seus fantasmas, e faz parte dos diálogos infindáveis que cada um de nós terá consigo mesmo pelo resto da vida, de diferentes maneiras.

Se eu tivesse de resumir a ópera em 10 palavras, diria: Os sonhos pertencem ao sonhador, não importa quem os habite.

Sobre o Autor

Ivan Martins é psicanalista, jornalista e autor dos livros “Alguém especial” e “Um amor depois do outro”. Irmão mais novo numa família de mulheres, aprendeu muito cedo a fazer xixi erguendo a tampa da privada, e acha que isso lhe fez bem. Escreve sobre relacionamentos desde 2009, tentando entender o que faz do apaixonamento algo tão central à vida humana.

Sobre o Blog

Esta coluna pretende ser um espaço para discutir os sentimentos, as ideias e as circunstâncias que moldam a vida dos casais – e dos aspirantes a casal - no Brasil do século XXI. Bem-vindas e bem-vindos!

Ivan Martins