Cuidar é uma delícia: homens e mulheres deveriam saber (e fazer) isso
(iStock)
Li no fim de semana, mais perplexo do que divertido, a troca de farpas entre a advogada Rosângela Moro, mulher do ministro da Justiça, e a escritora Antônia Pellegrino, casada com o deputado Marcelo Freixo.
A primeira provocou as feministas no Instagram, dizendo que adorava fazer jantarzinhos e cuidar do marido. A segunda respondeu que sabia cuidar com a mesma paixão, e observou (corretamente, a meu ver) que a outra não entendia o que era feminismo.
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Isso fez com que eu me perguntasse se tinha algo a dizer sobre esse assunto, e a minha conclusão foi que tenho, pela simples razão de que acho cuidar uma delícia, e isso não tem nada a ver com ser homem ou ser mulher.
No mundo em que eu vivo, os homens fazem jantares românticos para as suas parceiras, e sentem-se orgulhosos por isso. Eles também lavam roupa, separam lixo, planejam viagens, limpam a pia, vão ao supermercado e cuidam dos filhos delas, que, muitas vezes (mas nem sempre) são filhos deles também.
Qualquer pessoa que atribua a capacidade de cuidar somente às mulheres estará vivendo no século passado, cercada de ideias empoeiradas e anacrônicas.
Uma das grandes conquistas masculinas das últimas décadas foi a possibilidade de expandir esse lado cuidador da personalidade. Não apenas trazer o dinheiro para casa no fim do mês, como provedor, mas abraçar a sensibilidade emocional, as lidas domésticas e o envolvimento com as crianças.
Existe um espectro de afetividade ligado à casa e à família do qual os homens foram privados por várias gerações, mas que agora estão recuperando.
É um evidente privilégio poder dedicar-se exclusivamente ao trabalho remunerado e à carreira, tendo alguém cobrindo a retaguarda prática e emocional, da roupa lavada ao bem-estar doméstico e escolar das crianças. Mas esse privilégio tem preço. Ele implica em perdas que serão sentidas lá na frente.
O sujeito que vive para o trabalho se aliena da casa e dos filhos. Ele frequentemente se distancia da mulher. Os laços com a família se enfraquecem e ele perde momentos que o fariam mais feliz.
Na verdade, qualquer pessoa que fique fora de casa 12 horas por dia e delegue as funções de cuidado e autocuidado a outros está levando uma existência empobrecida – seja homem ou mulher, pobre ou rico.
O que a vida nos oferece de melhor são as vivências emocionais ao redor das pessoas que a gente ama. Quem não consegue aproveitar isso está perdendo o melhor da festa.
(Uma das grandes injustiças da nossa sociedade é que um número cada vez maior de pessoas não pode estar com os amigos ou com as pessoas que amam. O mundo do trabalho virou um moedor de carne que exige dedicação integral, sobretudo dos que não têm nada. Homens e mulheres trabalham muito mais horas, para ganhar cada vez menos. Suas relações pessoais sofrem e as suas famílias implodem, por falta de cuidado e atenção. Há uma epidemia de sofrimento por trás das jornadas coletivas de 12 horas ou mais, mas, estranhamente, isso é considerado inevitável, como se nós, como sociedade, não tivéssemos o direito ou a possibilidade de decidir como a economia e o trabalho devem se organizar para proteger as pessoas e as famílias. Enfim, fica a dica).
Embora as mulheres ainda sejam as grandes cuidadoras do planeta – sobretudo quando se trata das crianças e dos idosos – os homens estão se apropriando lentamente dessas tarefas. Há uma mudança cultural em curso. Ela faz com que mais meninos cresçam sabendo que têm as mesmas obrigações das meninas, e que elas têm os mesmos direitos que eles. É uma conquista feminista formidável, que vai se impondo de forma irreversível.
Os caras começam a executar tarefas domésticas por obrigação, meio na marra, mas em algum momento descobrem que trabalhar em casa pode ser tão gratificante – ou tão chato – quanto trabalhar fora, por dinheiro. As duas coisas têm de ser feitas e não faz sentido que apenas uma parte do casal as faça, certo?
É uma espécie de aprendizado em que todos estão envolvidos: do prazer de ser cuidado ao prazer de cuidar. Ninguém adora lavar louça, ninguém fica exultante de ir ao supermercado no sábado, mas, quando se faz isso em dupla, ou por alguém que a gente ama, a coisa ganha outra dimensão.
Milhões de homens resistem, claro, porque é mais fácil ficar no sofá tomando uma cerveja do que dar banho nas crianças ou fazer arroz depois de um dia extenuante de trabalho. Alguns sentem que a sua virilidade será ameaçada se vestirem um avental e assumirem o fogão.
A má notícia para esses recalcitrantes é que o número de mulheres que aceita arcar sozinha com a função de cuidadora doméstica está encolhendo a olhos vistos. No mundo em que eu vivo, elas já são uma raridade antropológica. Daqui a pouco, os machos de sofá estarão falando sozinhos.
Minha primeira sogra, avó dos meus filhos, era uma educadora bem-sucedida, mas costumava dizer que, na casa dela, homem não entrava na cozinha. Ela me servia um uísque na sala, punha um tira-gosto sobre a mesa de centro e me sugeria esperar pelo almoço de domingo lendo o jornal. Mas Dona Célia era de 1928 e não está mais entre nós. Essa maneira de se relacionar com os homens está desaparecendo com a geração dela.
É mais comum entre as pessoas que eu conheço que os casais se cuidem mutuamente.
Todo mundo cozinha, todo mundo limpa, todo mundo rala para ganhar dinheiro. Todo mundo tem medo e chora, dentro e fora do cinema. Não existe mais trabalho de homem ou de mulher.
O que, sim, existe – e isso nos leva de volta à história que abriu esta coluna — é uma vontade muito suspeita de anunciar a própria felicidade nas redes sociais, agressivamente, às vezes como forma de atacar inimigos ou inimigas imaginárias. Acho isso um equívoco enorme. Quem é feliz não anuncia. Além de ser brega, dá um azar danado.
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