Perde o marido, mas não perde a piada
Quando se trata das palavras, os homens podem ser criaturas sensíveis, mais até do que as mulheres.
Basta uma ironia da parceira fora de hora, uma crítica da namorada fora de lugar, e pronto: lá se foi uma noite de cinema, uma manhã divertida ou os planos sensuais para o fim de semana.
Homens não costumam chorar se a mulher for ríspida com eles, mas alguns ficam ressentidos por um tempo enorme, e isso pode virar um detrito que, lá na frente, somado a outros, faz tropeçar um relacionamento.
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Vocês já tiveram de lidar com isso?
Lembro de uma amiga contando, estupefata, que o namorado bateu a porta do carro e sumiu por vários dias, depois que ela apontou, meio brincando, os erros de português que ele cometia ao falar. Ela era revisora profissional e aquilo a incomodava mortalmente. O relacionamento não deu certo, claro.
Outra forma comum de chatear o parceiro é bombardear o entusiasmo dele com comentários sarcásticos, tipo: "Ah, agora que o chefe gostou do seu projeto ele virou um cara legal"?
De onde vem a suscetibilidade dos homens, eu só posso especular. Talvez dos egos infantis excessivamente protegidos pela família, que os acostumou a serem elogiados, não criticados. Ou talvez venha da cultura masculina brasileira, essa que se aprende no vestiário da escola, e que diz que homem não pode ser alvo de broncas ou piadas de mulher. Machismo puro e simples, portanto.
Qualquer que seja a origem dessa sensibilidade, ela tem consequências sobre a vida do casal.
Se não quiser melindrar seu bonitão susceptível, a mulher terá que vigiar a própria língua e manter os radares ligados para antever assuntos que possam chateá-lo.
Se, por independência de espírito, ela julgar que não deve fazer tais concessões (e tem todo direito de agir assim) precisa estar preparada para eventuais retaliações emocionais, em geral na forma de silêncio emburrado ou estudada indiferença. Nada muito maduro, mas é assim.
Existe, claro, a possibilidade de discutir civilizadamente aquilo que incomoda de parte a parte, sejam os comentários sarcásticos da mulher ou o comportamento do homem que provoca críticas, mas os casais, infelizmente, não conversam com a frequência que deveriam. Ou o sujeito se cala quando se sente atacado, acumulando ressentimentos, ou revida agressivamente, iniciando uma briga.
É muito comum que, ao reagir irritado a um comentário irônico da parceira, o cara escute a seguinte frase: "Puxa, era só brincadeira". Claro que era, mas, no interior dos casais, como em qualquer grupo social, as brincadeiras têm a função de transmitir recados, que nem sempre são bem recebidos.
Tenho notado, olhando os casais ao meu redor, que, para algumas mulheres, refrear-se pode ser uma tarefa difícil. Elas perdem o marido, mas não perdem a piada, por assim dizer.
É da cultura feminina uma certa mordacidade que os homens, de um modo geral, não manejam. O que não quer dizer que não haja por aí legiões de homens perversos que abusam de suas companheiras e as humilham de todas as formas possíveis, inclusive verbalmente. Mas isso é matéria para uma outra coluna.
Nos últimos anos, desde que as mulheres se tornaram coletivamente conscientes da injustiça e da violência do machismo, deve ter ficado ainda mais difícil para elas se conter diante de falas ou atitudes que são percebidas como manifestações domésticas do patriarcalismo.
Mas esse desejo compreensível de apontar, criticar ou ridicularizar os excessos masculinos talvez devesse ser usado com moderação na vida conjugal.
Ninguém é perfeito. Ninguém está isento de contradições. Ninguém é correto (ou, como se diz, politicamente correto) o tempo inteiro, sobretudo dentro de casa.
Ter ao seu lado alguém que vive apontando erros e incoerências pode ser insuportável, qualquer que seja o sexo dos envolvidos.
Qual o custo de silenciar diante de um comentário bobo, deslumbrado ou contraditório do parceiro, abraçando com a ternura possível uma deficiência ocasional dele?
Alguém dirá que há nisso um grau enorme de condescendência, e que ela não deveria existir no interior dos casais.
Pois eu discordo.
Quem pode ser tolerante com o chefe arrivista, com o amigo bobo de escola, com a mãe chata ou irmão folgado, talvez possa ser um pouco mais paciente com a pessoa que acorda ao seu lado todos os dias, seja homem ou mulher. Ninguém precisa agir o tempo todo como juiz intransigente do caráter alheio.
Gostar, eu acho, requer generosidade de parte a parte. Homens e mulheres que desejam estar juntos precisam descer do pedestal e praticar ativamente a tolerância – ainda que dentro de limites.
Se o cara, ou a mulher, tem traços de caráter que lhe são intoleráveis, ou defende opiniões políticas ou sexuais ou culturais que você julga detestáveis, não dá. Ninguém é obrigado a tomar cicuta ideológica no café da manhã. Preconceito, burrice e violência não podem estar na mesa.
Mas, em geral, não é disso que se trata, né?
A gente cobra de quem está ao nosso lado, pessoas de quem a gente gosta muito, um grau de perfeição que jamais exigiria de estranhos. A gente se deixa irritar facilmente por quem é muito próximo. Qualquer desvio do padrão de perfeição e retitude que temos em mente causa reações desproporcionais. Nessas ocasiões, a gente reage com uma brutalidade que só a intimidade permite, embora não devesse.
Ninguém precisa ser fofo o tempo inteiro, mas seria melhor se homens e mulheres tentassem conter os aspectos mais ácidos da sua personalidade no convívio íntimo.
É bom lembrar que o amor do outro pela gente não o torna invulnerável às nossas grosserias, e que as relações de longo prazo demandam uma espécie de garantia: eu descubro as suas fronteiras invioláveis, e tento respeitá-las, e você, amorosamente, faz o mesmo comigo, ou melhor, faz o mesmo por mim.
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