Topo

Histórico

Categorias

Ivan Martins

Quem não precisa de ninguém levanta a mão!

Ivan Martins

16/10/2019 00h01

 

Acordar e dormir sozinha pode ser legal para você, mas todo mundo tem alguma carência (iStock)

Há gente ao meu redor que parece encarnar um novo ideal de relacionamento. São pessoas que não toleram parceiros ou parceiras que demandam demais.

Esse pessoal quer dormir em X na cama, sozinho. Mentem que terão visitas de família para estar em paz no fim de semana. Têm ojeriza de qualquer atitude que se assemelhe a controle. Se impacientam com sinais de dependência prática ou emocional.

Semana passada, reclamei de estar me sentindo meio abandonado pela parceira e uma dessas pessoas modernas, uma amiga que estuda comigo, respondeu na lata: "Quer o telefone da babá das minhas filhas? Ela é ótima"!

Veja também

A frase sarcástica resume o espírito com que as pessoas que não precisam de ninguém avaliam apelos por atenção e companhia: quem exige esse tipo de cuidados precisa de mãe, não de romance.

Vocês concordam com isso?

Eu fico desconcertado. Me sinto quase ofendido, na verdade. Minha visão do mundo afetivo pressupõe que as pessoas precisam uma das outras, intensamente.

Mas o que a amiga me diz é que alguns homens (como eu?), pedem atenção demais, enquanto parte importante das mulheres (como ela?), simplesmente não quer essa intensidade de convívio, porque preza, acima de tudo, sua própria independência.

Nada contra, naturalmente, desde que as pessoas se dispam do senso de superioridade.

O mundo não está dividido entre equilibrados autônomos, capazes de tocar suas vidas sem depender afetivamente de ninguém, e gente desfibrada que precisa de quantidades exageradas de carinho e atenção.

Eu acredito que TODOS, independentemente do que digam em público, precisam da companhia, do afeto e do toque dos outros. Tenho certeza que todo mundo é carente. A diferença é de grau.

Alguns de nós, em alguns momentos da vida, e em determinadas relações, necessitarão de mais amor e mais atenção. Outros, em determinados períodos, e em certos relacionamentos, precisarão menos da presença do outro.

O x da questão é a combinação das personalidades, e o momento existencial em que ela acontece.

Com Maria eu sou carente, com Joana, fui negligente. O que isso prova?

Apesar das diferenças de temperamento que nos distinguem uns dos outros, a regra do jogo amoroso é universal: todo mundo precisa de afeto e companhia, em quantidades elevadas.

Por isso, não acho que as pessoas que querem proximidade e atenção sejam fundamentalmente diferentes das pessoas que se acham emocionalmente independentes.

Amanhã a roda gira, as posições se invertem, e a criatura autossuficiente descobre que ficou apaixonada e pegajosa. Não estou rogando praga, mas acontece.

Enquanto a gente pode, portanto, enquanto é politicamente admissível, tratemos de dizer com todas as letras: eu preciso do outro, e gosto que precisem de mim.

Se isso às vezes nos tornar filhos, não há problema. No dia seguinte poderemos ser pai, irmã, ou, mais que tudo, mãe — além de um monte de outras coisas menos ortodoxas e mais divertidas.

Todos somos capazes de vários papeis nesta existência. Depende da companhia e dos sentimentos que ela nos inspire. É só descer do pedestal e cair na vida para perceber.

Sobre o Autor

Ivan Martins é psicanalista, jornalista e autor dos livros “Alguém especial” e “Um amor depois do outro”. Irmão mais novo numa família de mulheres, aprendeu muito cedo a fazer xixi erguendo a tampa da privada, e acha que isso lhe fez bem. Escreve sobre relacionamentos desde 2009, tentando entender o que faz do apaixonamento algo tão central à vida humana.

Sobre o Blog

Esta coluna pretende ser um espaço para discutir os sentimentos, as ideias e as circunstâncias que moldam a vida dos casais – e dos aspirantes a casal - no Brasil do século XXI. Bem-vindas e bem-vindos!

Ivan Martins