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Ivan Martins

Se ninguém quer namorar, quem são essas pessoas andando de mãos dadas?

Ivan Martins

25/09/2019 00h01

(iStock)

Todo homem foi convocado alguma vez a explicar o comportamento de outro homem. Parte-se da premissa que todos somos iguais, ou pelo menos parecidos, e que podemos decifrar a cabeça um do outro — o que, pensando bem, não é tão diferente da percepção equivocada de que as mulheres são iguaizinhas, e que todas agem mais ou menos da mesma forma em relação aos homens.

De onde vêm essas ideias?

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Eu tenho convivido com as mulheres desde o meu nascimento – assim como com homens – e ainda estou para encontrar duas pessoas que, diante da mesma situação, ajam da mesma maneira. Seres humanos não são realmente previsíveis, sobretudo se você tentar dividi-los ou agrupá-los por sexo.

É tão provável que Maria tenha um temperamento parecido com o de João quanto com o de Joana – e sou capaz de apostar que as semelhanças são irrelevantes diante das diferenças entre eles.

Mesmo assim, e apesar das evidências, a gente continua operando num universo mental em que homens são assim e mulheres são assado. Não é verdade, evidentemente, mas parece que desse jeito fica mais fácil entender o mundo.

Dá mais trabalho imaginar que cada pessoa se relaciona conosco de maneira única, e que isso provavelmente diz respeito à combinação entre a nossa personalidade e a dela.

A tendência humana – sobretudo diante de decepções amorosas repetidas – é decidir que as pessoas agem sempre da mesma forma, para nos magoar. Logo, são iguais entre si.

Cansei de ver homens bravos com "as mulheres" porque uma delas, entre três e meio bilhões de criaturas femininas, o havia rejeitado de forma dolorosa.

Acho que vale o mesmo para as mulheres: quanto melhor a experiência delas com os homens, mais tendem a percebê-los como pessoas distintas umas das outras. Se o contato é sempre ruim – ou frustrante – a personalidade de cada um vai perdendo contorno próprio e todos vão se encaixando numa vasta e indistinta categoria de criaturas que não gostam de envolvimento, são egoístas, não se responsabilizam, não merecem confiança…

Homens magoados dizem coisas equivalentes sobre as mulheres, usando outras palavras.

É evidente que há muitos caras que se encaixam nos piores estereótipos percebidos pelas mulheres, mas há milhões de outros que não têm nada a ver com essa imagem. Para cada sujeito de 30, 40 ou 50 anos que está tentando pegar todas as mulheres do mundo, e tratando todas como objetos descartáveis, deve haver um outro querendo se apaixonar e começar um relacionamento sério.

Se ninguém está a fim de namorar, quem são essas pessoas andando de mãos dadas nas ruas de São Paulo?

Estatísticas pessoais não valem quase nada, mas a maioria dos caras que eu conheço está metida em relacionamentos duradouros. Eles não devem ser exceção absoluta, assim como as mulheres que estão com eles. Há muita gente por aí querendo fazer parte de um casal.

Por que, então, a sensação de que o mundo está povoado pelo tipo errado de pessoas, aquelas que não querem nada sério?

Uma possibilidade: há pessoas tão voltadas para si mesmas, para suas dores, prazeres e necessidades individuais, tão obcecadas pelas suas redes sociais, que se relacionar emocionalmente com outro ser humano virou para elas um desafio impossível. São milhões de homens e mulheres assim.

Outra possibilidade: as pessoas frequentemente confundem a população do mundo com as personalidades que elas mesmas atraem, ou para as quais são atraídas. Isso causa enorme deformação estatística. Se eu tenho um fraco por bananas, nem percebo a existência das maças.

Terceira possibilidade: todo mundo sai e transa com todo mundo, porque é gostoso, mas o prazer instantâneo é incompatível com a verdadeira intimidade e com os riscos que dela decorrem – se apaixonar, ter ciúme, ser abandonado ou trocado, sofrer miseravelmente. Ser feliz, quem sabe. Se muita gente está evitando sentir, diminui a chance de algo importante acontecer.

Última  possibilidade: há mesmo gente egoísta quando se trata de sexo e relacionamentos. Gente que por imaturidade ou por caráter precisa receber tudo, mas não tem nada para oferecer em troca. Algumas delas são muito sedutoras, mas é melhor evitá-las, qualquer que seja o seu sexo ou o delas.

Acho que vocês entenderam.

O melhor jeito de pôr as generalizações de lado e se relacionar com pessoas de verdade, não com estereótipos vazios de homens e mulheres, é se envolver emocionalmente.

As pessoas com quem a gente se envolve se tornam únicas.

Se isso nunca acontece, se o amor jamais se instala, tendemos a ver os outros como parte de uma multidão compacta, hostil e indistinta, sobretudo gente do sexo que nos faz sofrer.

Não conheço remédio contra isso além de estar emocionalmente aberto e continuar tentando. Repetir que as pessoas são todas iguais, e que não querem nada com nada, não ajuda, e provavelmente nem é verdade.

Lá fora, na rua, deve haver uma multidão de homens e mulheres que ficariam felizes em se apaixonar e dividir os dias e as noites delas com alguém igualmente apaixonado.

Que tal respirar fundo e, pacientemente, se preparar para o momento de encontrar uma dessas pessoas?

Sobre o Autor

Ivan Martins é psicanalista, jornalista e autor dos livros “Alguém especial” e “Um amor depois do outro”. Irmão mais novo numa família de mulheres, aprendeu muito cedo a fazer xixi erguendo a tampa da privada, e acha que isso lhe fez bem. Escreve sobre relacionamentos desde 2009, tentando entender o que faz do apaixonamento algo tão central à vida humana.

Sobre o Blog

Esta coluna pretende ser um espaço para discutir os sentimentos, as ideias e as circunstâncias que moldam a vida dos casais – e dos aspirantes a casal - no Brasil do século XXI. Bem-vindas e bem-vindos!

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